*Aurora Miranda Leão
Sabe aquela conversa corriqueira de que “Novela é só besteira”, alienação, “nem tenho televisão em casa”...? Pois é, frases nesse viés, ditas a esmo, no mais das vezes sem consistência lógica nem amparo na realidade.
Fato é: novelas convivem há mais de 70 anos com os brasileiros, estando presente no cotidiano da nação, diariamente, desde 1951. E, bem ao contrário do que diziam muitas vozes ao tempo da pandemia, o hábito de acompanhar novelas continua tão forte como surgiu. Ou até aumentou. Basta reparar: hoje há, pelo menos, 5 novelas exibidas diariamente na grade televisiva, se olharmos apenas a TV Globo; há mais noutros canais.
Na ecosfera digital, as novelas espalham-se por vários aplicativos, sendo presença diária garantida, nas mais diversas versões: comentadas, aplaudidas, criticadas, com cenas e temas destacados, enfim, as redes sociais estão abarrotadas de telenovela por todos os lados.
Prova maior de sua longevidade, não há. E para contradizer os incautos, insistentes na argumentação de que novelas são só passatempo, não tem artisticidade e nada trazem de bom, temos a grata satisfação de anunciar: não faltam estudos e pesquisas acadêmicas sendo feitas, em todo o país, com obras da teledramaturgia sendo evidenciadas.
O fato é auspicioso para quem ama o gênero, atua nesse ambiente ou quem tem vontade de entrar numa pós-graduação para dedicar-se a transformar em pauta acadêmica sua preferência pelo produto cultural brasileiro queridinho de 10 entre 10 conterrâneos - e o mais aplaudido no exterior. O estudante de hoje, disposto a fazer especialização, mestrado ou doutorado, já conta com todas as portas abertas para planejar sua pós estudando um assunto pra lá de atual e com imensa gama de possibilidades. A começar pelo universo enorme de telenovelas, há um naipe robusto de títulos, e farta quantidade de livros, teses, dissertações, palestras, cursos, seminários e artigos à disposição para o futuro pesquisador.
Nessa trilha, selecionamos hoje um dos títulos mais importantes para conhecer, entender, apreender e mergulhar no mundo vasto e complexo que envolve a produção de teledramaturgia no país.
“O que as novelas exibem enquanto o mundo se transforma” é o título do livro, de autoria do jornalista, poeta, roteirista, contista, analista de mídias sociais, e Doutor em Comunicação pela PUC-RJ, Valmir Moratelli, obrigatório nos estudos sobre o gênero narrativo no qual o Brasil é pródigo, a Telenovela.
Trata-se de um mergulho profundo no universo da teledramaturgia (fruto da dissertação de Moratelli), apresentando um viés inédito sobre a mais importante produção brasileira da indústria cultural. O autor selecionou duas décadas de realização teledramatúrgica, direcionando sua análise para as temáticas políticas evidenciadas nas telenovelas.
Esse recorte inaugura perspectiva sem antecedentes e realça o fôlego do mergulho analítico do pesquisador. Ademais, sendo redator de mão cheia e original criador de narrativas, a visão de Moratelli (titular da Coluna Gente na revista VEJA) é precisa e instiga muitas reflexões, logo, seu livro é, além de muito bem-vindo, necessário.“As mudanças temáticas mais bruscas acontecem quando há ações de governo que transformam a percepção de vida da população”, diz o autor.
Em seu livro, Moratelli traz indicadores de obras e períodos, entre 1998 e 2018, por exemplo, nos quais a TV brasileira experimentou avanços nunca antes vistos. Para tanto, cita novelas de João Emanuel Carneiro - “Cobras e lagartos”(2006), “Avenida Brasil” (2012), e “A regra do jogo” (2015-2016) -, validadoras dessas transformações sociais e políticas.
“O que as novelas exibem enquanto o mundo se transforma” é o terceiro livro do escritor, que assina também “Eu Rio, Tu Urcas, Ele Sepetiba”, “Armários Abertos: depoimentos sobre a diversidade sexual” e “Diálogos para santos cegos”, um delicioso apanhado de contos divertidos e com uma visão perspicaz desta modernidade líquida emprenhada de fakes news (invencionices que simulam a verdade e enganam fácil quem anda de viseira) e ridículas celebridades de fachada.
E não para por aí: Valmir Moratelli também é autor de “A invenção da velhice masculina – Da Antiguidade às séries de streaming – como se formou a ideia do homem idoso” (2023, Editora Matrix), resultado da tese de doutoramento. Mais uma relevante contribuição aos estudos de teledramaturgia no Brasil.
Saiba mais:
https://cbnmaringa.com.br/noticia/velhice-masculina-e-uma-invencao-diz-especialista; https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2023/09/a-invencao-da-velhice-masculina-como-a-tv-e-o-cinema-veem-os-idosos.ghtml; https://www.youtube.com/watch?v=s0JlLH2Z_4A